Chame-me de Heena: Hijra, O Terceiro Gênero
Um profundo relato, feito pela fotógrafa Sharhia Sharmin desde 2012, sobre um grupo único de pessoas – fora das noções ocidentais de gênero – que tentam encontrar seu lugar no mundo.
“Eu me sinto como uma sereia. Meu corpo me diz que sou um homem, mas minha alma me diz que sou uma mulher. Eu sou como uma flor, uma flor feita de papel. Eu sempre serei amado à distância, nunca serei tocado e não haverá nenhum perfume, pelo qual se apaixonar”, diz Heena, 51 anos, de Dhaka, Bangladesh, em 2012.
"Hijra" é um termo do sul da Ásia, que não tem correspondência exata na moderna taxonomia ocidental de gênero, designada como masculina ao nascimento, com identidade de gênero feminina e que, eventualmente, adota papéis femininos.
Transcendendo a definição biológica, os hijras são um fenômeno social, fazendo parte de um grupo minoritário, e têm um longo registro histórico no sul da Ásia. No entanto, sua aceitação social e as condições atuais de vida variam, significativamente, em países como Bangladesh, Índia e Paquistão. Talvez os Hijras de Bangladesh enfrentem a pior situação, o que obriga boa parte deles a deixar sua pátria e migrar para a Índia.
Embora tenham suas próprias origens familiares e sociais, os Hijras experimentam um verdadeiro sentimento de pertencimento, quando estão em seu próprio grupo - os Hijras. Esses grupos oferecem a eles o abrigo natural de uma família e o calor do relacionamento humano. Fora do grupo, são discriminados e desprezados em quase toda parte.
Tradicionalmente, esses indivíduos ganhavam a vida com base na crença cultural de que os Hijras tinham o poder de abençoar a casa das pessoas com prosperidade e fertilidade. Em virtude da história geográfica e cultural compartilhada com o subcontinente, essa crença hinduísta ganhou, aos poucos, espaço na entre os muçulmanos, que habitavam aquela terra. Os tempos mudaram e os Hijras perderam seu espaço privilegiado na sociedade. Atuamente ganham a vida andando pelas ruas pedindo dinheiro a lojistas, passageiros de ônibus e trens ou através da prostituição.
Eu, como quase todos que fazem parte do meu círculo social, cresci vendo os Hijras como pessoas “menores”, como sub-humanos - seus hábitos, modo de vida e até mesmo sua aparência, os definiam como “diferentes”, “desviados” , como se fossem o testemunho vivo de uma aberração biológica. Então, conheci Heena, que me mostrou como eu estava errado. Ela contou sobre sua vida, me fez parte de seu mundo e me ajudou a ver algo além da palavra “Hijra”. Ela me fez entender - ela e outros membros de sua comunidade, como mães, filhas, amigos e amantes - quem são de verdade.
No mundo de hoje, os hijras dificilmente têm a oportunidade de uma vida normal. Eles não têm escolas onde estudar, nenhum templo para orar, nenhum governo e organizações privadas, que queiram vê-los em sua lista de funcionários. Eles não têm acesso a sistemas legais e os provedores de serviços de saúde, não os recebem.
Eu comecei este projeto autofinanciado e em andamento, no início de julho de 2012. Meu trabalho conquistou os corações e a confiança de muitos Hijras, o que espero ser evidente em meu ensaio fotográfico. Para contar a história completa, o trabalho deve continuar.
Através do meu trabalho, espero dar voz aos “sem voz”. A fotografia sempre foi uma ferramenta extremamente eficaz ao desafiar o estigma social e ajudar a revelar uma realidade diferente para o mundo. Espero que meu trabalho ajude os Hijras a encontrar um espaço para respirar em uma sociedade claustrofóbica como a nossa e a encontrar novos amigos em seu mundo sem amigos.
Fotografias e texto de Shahria Sharmin
Tradução livre - Andreia Bueno
Setembro . 2018
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